Por Antonio Luis Barboza Filho
Embora o CMC (Carboximetilcelulose de Sódio) seja uma das gomas mais utilizadas na indústria alimentícia ao redor do mundo, alguns dos aspectos que o destacam no “mundo das gomas” eventualmente passam despercebidos. O CMC, não raramente, é visto de um modo um tanto simplório, o que não deixa de ser normal em virtude de uma série de fatores.
Não raramente o CMC é simplesmente identificado como CMC 3000 e CMC 5000, números que se referem à viscosidade de sua solução aquosa, a saber, 3000 cP @ 1% e 5000 cP @ 1%. É como se houvesse só esses “dois tipos de CMC”. Além disso, parece que o CMC é considerado apenas como um mero “doador de viscosidade” ou espessante. Obviamente o CMC é um grande espessante, mas sua utilização não está restrita a essa funcionalidade como muitos sabem. De acordo com o JECFA (Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives), o CMC, além de espessante, estabilizante e emulsificante, também é citado como como agente de volume, agente de endurecimento, agente gelificante, agente de revestimento e umectante, entre outras funções não registradas no JECFA.
A indústria alimentícia conta com uma grande oferta de gomas: agar ou agar-agar, alginatos, carragenas, CMC, goma arábica (ou acácia), goma gelana, goma guar, goma konjac, goma tara, goma xantana, LBG, pectinas. Entre elas o CMC se destaca em alguns aspectos muito importantes. Esse destaque, porém, nem sempre é percebido, o que acaba por restringir a obtenção de bons resultados, quer seja na solução de um problema técnico ou na busca de uma melhor relação entre custo e benefício. Além disso, há uma espécie de complicador em meio a tudo isso: a existência de muitos CMCs diferentes, que não raras vezes dificulta sua exploração em virtude de limitações de recursos para a realização de testes ou por falta de tempo.
Muita coisa pode ser dita a respeito do CMC, mas destaca-se aqui apenas três aspectos de grande importância que costumam diferenciar o CMC de outras gomas e que normalmente não são conhecidos, ou bem conhecidos, por um bom número de profissionais da indústria alimentícia. São eles:
1 – Viscosidade
O CMC é a única goma que pode ser produzida e fornecida num amplo espectro de viscosidade. Há CMCs de baixa, média e alta viscosidade, cada um com sua respectiva faixa de viscosidade. Se estabelecermos como referência a viscosidade da solução aquosa a 1%, há muitos CMCs distribuídos na faixa de 10 cP a 8000 cP (mais ou menos). Essas diferenças de viscosidade são tão grandes que fazem com que um CMC seja extremamente diferente de outro, como se fossem gomas de naturezas diferentes.
2 – Facilidade de modificação
Refere-se à facilidade com que o CMC pode ser modificado para produzir características diferenciadas. Diferentemente de outras gomas que são diretamente extraídas de espécies botânicas (algas, leguminosas, frutas e caules e raízes de plantas) ou de processos biológicos, o CMC é obtido mediante um processo químico bem controlado. Isso permite que ajustes possam ser feitos, quer seja na receita de obtenção ou nas condições de processo, de modo a produzir CMCs com diferentes características. Como exemplo, há os CMCs que não são resistentes em meio ácido e há os que são resistentes nesse meio. No aspecto reológico, há os CMCs que apresentam soluções aquosas meramente pseudoplásticas, como qualquer goma de modo geral, e há os que, adicionalmente, apresentam tixotropia. Isso sem falar na diversidade de viscosidade comentada no tópico acima. Essas características são muito importantes quando se considera a reologia de um sistema pastoso, como massas por exemplo, ou a manutenção de sólidos em suspensão.
3 – Associação com proteínas
Sistemas proteicos podem ser estabilizados com gomas. Isso não é novidade para muitos, apenas para não dizer que não é novidade para ninguém. O que não é de conhecimento da maioria são os mecanismos associados a essa estabilização.
A estabilização de proteínas proporcionada pelas gomas de modo geral, resulta, via de regra, do efeito de viscosidade devido à formação de “gel”. Trata-se do desenvolvimento de uma estrutura interna de rede, algo bem conhecido, principalmente pelos engenheiros de alimentos. Embora esse tipo de estabilização seja razoavelmente bem conhecido e muito utilizado, ele apresenta suas limitações. Esse tipo de estabilização pode sofrer impactos negativos quando o sistema proteico é aquecido ou diluído. Além disso, esse tipo de estabilização não é adequado para sistemas proteicos de baixa viscosidade.
O CMC, por sua vez, atua de modo diferente. Devido à sua natureza iônica (o CMC é aniônico), ele pode interagir com proteínas e com elas formar complexos que podem ser solúveis ou insolúveis. O mecanismo básico dessa interação não é a viscosidade, mas mecanismos iônicos, ainda que ligações hidrogênio, efeitos estéricos e forças de Van de Waals também tenham suas contribuições.
Como exemplo, o CMC pode interagir com a caseína do leite em pH ácido e formar complexos solúveis e estáveis ao armazenamento e ao tratamento térmico. Salvo casos especiais, sem o CMC a caseína normalmente precipitaria nessa faixa de pH. Na prática, o CMC “altera” o ponto isoelétrico da proteína para valores de pH mais baixos. Outras gomas, em virtude de suas naturezas, não proporcionam tal efeito, principalmente a proteção térmica.
Esses são apenas três pontos que consideramos os principais na diferenciação entre o CMC e outras gomas. Há muito mais sobre o CMC que deveria ser bem conhecido para que ele, sozinho ou em combinação com outras gomas, pudesse proporcionar as soluções demandadas pela indústria de alimentos.
Antonio Luis Barboza Filho
Gerente Técnico
Denver Especialidades Químicas Ltda.